A união estável configura-se como uma situação de fato, cuja definição encontra guarida no artigo 1.723 do Código Civil, consistindo na existência de um casal (hetero ou homoafetivo) com convivência pública, contínua e duradoura, com o intento de constituir família.
Na realidade, a união estável é apresentada socialmente de forma similar a um casamento, distinguindo-se deste último, na maior parte dos casos, pela ausência da formalidade no momento de sua constituição. Isto é, enquanto o casamento se constitui em um único ato (contrato de casamento, conforme entendimento majoritário da doutrina), a união estável forma-se a partir de vários fatos que se concretizam com o passar do tempo, os quais, conjuntamente, dão reconhecimento social à relação e perfectibilizam o ânimo de constituir família, podendo ou não existir contrato de convivência (a ser realizado via escritura pública ou instrumento particular).
Por serem tão semelhantes em sua manifestação fática, muitas são as aplicações jurídicas em comum para o casamento e para a união estável. Dentre elas destaca-se, neste momento, o regime de bens legal aplicado (regime de comunhão parcial de bens), diante de hipóteses em que as partes não estabelecem regras e regime próprio como melhor lhes aprouver.
Isto quer dizer que, se os companheiros não elegerem regime diverso em eventual contrato de convivência, à união estável será aplicado o regime legal da comunhão parcial de bens, consoante estipulado legalmente no artigo 1.725 do Código Civil. Nesses moldes, os bens adquiridos durante a convivência são comuns a ambos os companheiros, independentemente da prova de contribuição efetiva do outro convivente (artigo 1.658 do Código Civil), exceto pelas hipóteses daqueles que são legalmente incomunicáveis, previstos no artigo 1.659 do Código Civil.
Preteritamente ao exposto pelo diploma civil, a Lei nº 9.278/96 já havia apontado no mesmo sentido, ao expor, em seu artigo 5º, a norma da comunicabilidade dos bens que sobrevierem ao casal, na constância do relacionamento da união estável, prescindindo, para tanto, a prova de contribuição efetiva do outro convivente para aquisição do bem.
Ora, se o aludido regime estatui que os bens adquiridos durante a convivência pertencem a ambos os companheiros em proporções iguais, isso quer dizer que é perfeitamente possível a pesquisa de bens, e consequente bloqueio, em nome do (a) convivente em regime de união estável para pagamento de dívida do (a) companheiro (a), ressalvada a meação daquele (a) que não pertencer ao polo passivo da ação.
Foi nesse sentido que se posicionaram os tribunais pátrios TJ-MG [1], TJ-MT [2], TJ-RS [3] e TJ-SP [4], ao afirmarem que não importa em nome de qual dos companheiros está o registro do bem, o bloqueio pode ser feito inclusive em nome daquele que não pertence ao polo passivo da ação, desde que resguardada sua meação.
Merece destaque o fato de que a permissão de bloqueio de bens em nome do companheiro, ora em discussão, respeita a regra da responsabilidade patrimonial primária, pela qual compreende-se que responde pelo débito a pessoa que contraiu a dívida. A meação do bem a ser objeto da constrição é exatamente daquele que contraiu a dívida e não de seu companheiro(a), visto que o devedor responderá tão somente com a quota parte do seu patrimônio pessoal.
Tal hipótese em muito se difere da responsabilidade secundária, prevista no artigo 790, incisos II, IV e VII, do Código de Processo Civil, cuja responsabilização patrimonial recai também sobre a pessoa que não contraiu a dívida, desde que os frutos obtidos por meio da formação da dívida tenham trazidos benefícios para toda a família, e todos deleitaram-se do agente gerador do débito.
Nesses casos, o (a) companheiro (a) que, em um primeiro momento, não contraiu a dívida, pode responder com a sua meação, visto que o valor devedor se originou de obrigação constituída em prol da família, e todos usufruíram dos resultados.
Sobre o tema, Flávio Tartuce [5] explicou que, nos moldes previstos nos artigos 1.643 e 1.644 do Código Civil, as dívidas que obrigam ambos os cônjuges (e companheiros), consistem naquelas atinentes a compras necessárias à economia doméstica e/ou empréstimos em prol da família, ou ainda inerente a administração do patrimônio comum do casal.
Embora mereçam destaque, as aludidas hipóteses se diferem do objeto da presente discussão. Isto porque, não se discute, nesta oportunidade, a penhora de bens em hipóteses de dívida oriunda de situações que beneficiam ambos os companheiros. Debate-se, por ora, sobre a possibilidade de penhora da meação de um dos companheiros (resguardada a meação do outro), em união estável, em casos de dívidas próprias, em razão de expressa permissão legal e jurisprudencial para tanto.
Conforme esmiuçado até o presente momento, se o devedor vive em união estável, os bens comuns estão sujeitos à penhora, em razão de à aludida união aplicar-se o regime de comunhão parcial de bens, por meio do qual é atingível a metade do patrimônio do convivente detentor da dívida, desde que resguardado, contudo, a meação daquele companheiro que não integrou a lide.
Fazendo um novo adendo, não menos importante, não se pode olvidar que, em não rara ocasião, no cenário de inadimplência, com o intuito de se furtar de suas obrigações pecuniárias, o (a) devedor (a) acaba, de forma simulada, divorciando-se do (a) cônjuge (a), apresentando-se formalmente — em documentos, em juízo, etc — como solteiro (a) ou divorciado(a), quando na realidade, permanece convivendo com o (a) “ex”-companheiro (a), em união estável. Nessa hipótese, detido um arcabouço probatório suficiente à comprovação de dita relação, deve o credor demonstrar a prática fraudulenta realizada pelo casal, objetivando atingir eventual patrimônio que esteja ocultado em nome daquele (a) que não seja efetivamente devedor (a), mas apropriou-se das mais diversas ações para tentar-se evadir de sua obrigação, bem como esconder sua relação conjugal.
Afastar a aplicabilidade das regras do regime legal (da comunhão parcial de bens) imposta ao casamento, a casos de união estável, seria também favorecer hipóteses de blindagem patrimonial e simulação, como a acima conjecturada, em que os companheiros viveriam como se casados fossem, e tentariam furtar-se de eventuais credores.
Dito isso e retornando à temática central, não se pode deixar de mencionar a recentíssima decisão do Superior Tribunal de Justiça [6] no sentido de que os ativos financeiros existentes em conta corrente de titularidade exclusiva da cônjuge meeira que não participou da constituição da dívida do marido sócio da pessoa jurídica não respondem, automaticamente — frise-se —, pelo pagamento da dívida.
Para sustentar a decisão, o ministro relator argumentou que o regime de comunhão parcial não torna o cônjuge/companheiro solidariamente responsável, de forma automática, por todas as obrigações contraídas pelo parceiro (em razão das exceções trazidas pelos artigos 1.659 a 1.666 do Código Civil), nem autoriza que sejam violadas garantias processuais atinentes ao devido processo legal, tais como o contraditório e a ampla defesa.
Não se vê, sobretudo, no referido aresto, argumentação que afaste a previsão legal de que a meação do devedor responde pelas dívidas por ele contraídas. Ao longo da decisão, vê-se, na verdade, preocupação com a companheira, sem considerar, contudo, que sua meação remanescerá intacta.
Até porque, o próprio Superior Tribunal de Justiça, em decisão de Relatoria do ministro Luis Felipe Salomão [7], já havia se manifestado no sentido de ser possível penhora de quota parte referente ao companheiro devedor (meação), oriunda do regime legal da comunhão parcial de bens, mesmo que o bem esteja registrado exclusivamente em nome do convivente não devedor.
Referida decisão estipulou, sobretudo, ser possível a penhora sobre a quota parte (meação do devedor) do patrimônio registrado em nome exclusivo do cônjuge não devedor, ainda que o valor devido tenha se originado antes do início da relação conjugal, em razão da comunicação patrimonial decorrente do regime de bens legal aplicado, desde que respeitada a meação do(a) companheiro(a) que não responde pelo adimplemento da obrigação.
À guisa de conclusão, portanto, imprescindível se faz reforçar a presente argumentação no sentido de ser possível a penhora de bens gravados em nome do (a) companheiro (a), respeitada sua respectiva meação, em hipóteses de união estável, cujo regime de bens não tenha sido diversamente estabelecido ao do regime de comunhão parcial de bens, não se olvidando, sobretudo, das hipóteses arroladas no artigo 1.659 do Código Civil de incomunicabilidade de bens, em que a constrição em nome do companheiro não causador da dívida torna-se impraticável.
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[1] TJMG — AC: 10672160077752001 Sete Lagoas, relator: Roberto Vasconcellos, Data de Julgamento: 25/10/2018, Câmaras Cíveis / 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: 07/11/2018;
[2] TJMT 10093516520218110000 MT, relator: Clarice Claudino Da Silva, Data de Julgamento: 28/07/2021, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/08/2021;
[3] TJRS Agravo de Instrumento Nº 70076302116, , TJRS, relatora Adriana da Silva Ribeiro, Data: 28/03/2018, Décima Quinta Câmara Cível;
[4] TJSP; Apelação 1034921-82.2017.8.26.0224; relator (a): Nilton Santos Oliveira; Órgão Julgador: Data do Julgamento: 10/07/2018; 3ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarulhos — 5ª Vara de Família e Sucessões; Data de Registro: 10/07/2018
[5] TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Direito de Família. 14. Ed. V. 5. Forense: Rio de Janeiro, 2019, p. 192
[6] STJ — REsp: º 1969814 SC (2021/0357368-5, relator: ministro João Otávio De Noronha, Quarta Turma, Data de Julgamento: 07/03/2023.
[7] AgInt no AREsp 970.203/MG, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15/12/2016, DJe 02/02/2017.
Andréia Pinatti de Oliveira é advogada no escritório Medina Guimarães Advogados, pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio, bacharel em Direito pela Unicesumar e licenciada em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual de Maringá.
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Fonte: ConJur