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Artigo – A propriedade fiduciária de imóvel e o Código de Defesa Do Consumidor – Tema 1095 do STJ – Por Alexandre Laizo Clápis

Introdução

A propriedade fiduciária imobiliária foi introduzida em nosso sistema pela lei Federal 9.514/1997 (“Lei do SFI”) e estabeleceu naturezas distintas para os direitos do fiduciário e do fiduciante, bem como regramento especial e específico no que se refere ao modo de execução dessa modalidade de direito real de garantia imobiliária, em caso de inadimplemento do fiduciante.

Este estudo pretende analisar se o Código de Defesa do Consumidor (“CDC”) deve ou não ser aplicado às relações fiduciárias imobiliárias, bem como avaliar a fixação do Tema 1095 pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) e, especialmente a partir dele, em quais circustâncias deve ou não ocorrer a aplicação do diploma consumerista.

O tema relativo à aplicação do CDC aos negócios jurídicos em que é contratada a propriedade fiduciária como garantia real imobiliária não é novo. É preciso fazer a conjugação de determinados elementos para uma melhor interpretação e conclusão sobre ser ou não possível aplicar as regras consumeristas à referida espécie de garantia real fiduciária.

Alguns autores afirmam que se deve aplicar o CDC às relações jurídicas decorrentes da alienação fiduciária de coisa imóvel, em razão da expressa previsão contida no art. 53 da lei Federal 8.078/1990[1].

A leitura do dispositivo legal referido indica expressamente a aplicação do CDC às garantias fiduciárias e declara nulas as cláusulas que estabeleçam, nas situações de resolução contratual por inadimplemento do devedor consumidor, a perda total das parcelas pagas ao credor. Há, no aludido texto normativo, referência direta à alienação fiduciária em garantia, geralmente instituída nos contratos de compra e venda definitiva de imóveis apoiados em um segundo negócio jurídico de financiamento concedido pelo vendedor ou por um terceiro (instituição financeira, por exemplo) a ser pago pelo comprador em prestações sucessivas.

Eduardo Arruda Alvim[2] destaca que o quanto estipulado pelo caput do art. 53 já seria inegavelmente nulo de pleno direito pela regra geral contida no inciso IV do art. 51 do próprio CDC, mas o legislador, na opinião do autor, ao especificar a regra da proibição das perdas de todas as prestações ou do decaimento, pretendeu evitar controvérsias nas interpretações de tais situações, provavelmente pela recorrência do tema no cotidiano das relações de consumo.

José de Mello Junqueira[3] afirma que inexiste qualquer antinomia entre o art. 53 do CDC e as disposições da Lei do SFI, especialmente em relação ao § 2º do art. 27.

Já para Cláudia Lima Marques[4], os contratos decorrentes da Lei do SFI estão incluídos no campo de aplicação do CDC. Registra expressamente a autora:

Para o consumidor, parece-me, salvo melhor juízo, altamente prejudicial a criação desta nova base de direito real (propriedade fiduciária de imóvel), pois a possibilidade de alienação fiduciária da ‘sonhada casa própria’ beneficia desnecessariamente o fornecedor-credor, ao evitar o atual trâmite judicial exigido para as hipotecas[5]. 

A autora deixa evidente sua preocupação com a celeridade do procedimento extrajudicial. Chega a afirmar que o credor tem um benefício desnecessário ao não utilizar o trâmite judicial regido pelo Código de Processo Civil nas execuções hipotecárias.

Não entendemos que o procedimento judicial da execução hipotecária represente maior segurança jurídica ao devedor. Este, na execução da propriedade fiduciária, possui ferramentas jurídicas suficientes para garantir sua defesa, pois poderá desde purgar a mora perante o registrador imobiliário, usar seu direito de preferência até o segundo leilão ou se valer do acesso ao Poder Judiciário em qualquer etapa da execução da garantia fiduciária, se for o caso, conforme garantia constitucional de acesso à justiça.

Vale consignar que, mesmo no âmbito da execução judicial, o devedor não tem asseguradas garantias semelhantes, a não ser pela via dos embargos. No processo de execução o devedor é chamado para pagar a dívida e não para contestar o direito expresso no título executivo.

O argumento de que o trâmite judicial exigido para a execução das hipotecas é garantia de segurança ao devedor parece não ser suficiente ao mercado atual, pois pensar que o fator lentidão representaria segurança pode, em contrapartida, acarretar injustiças ao credor na recuperação do seu crédito. Ademais, como dito, não sobra ao devedor, para exercer o seu direito de defesa na execução forçada, outras alternativas além do recurso de embargos, o qual dependerá, para ter efeito suspensivo, de prova de que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes (CPC, art. 919, § 1º).

É preciso lembrar que a própria execução hipotecária foi alterada para imprimir maior celeridade na recuperação do crédito. A lei Federal 5.741/1971, entre outras alterações, permite a suspensão da execução somente mediante prova de pagamento da dívida feita em sede de embargos. Mesmo na execução judicial da garantia real hipotecária, pretendeu-se diminuir o tempo para satisfação do crédito.

Nesse contexto, importante analisar se as disposições do CDC devem ou não ser aplicadas às relações fiduciárias imobiliárias.

Clique aqui e confira a coluna na íntegra.

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[1] Esse dispositivo legal estabelece que nos: […] “contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”.

[]2 ARRUDA ALVIM NETO, José Manoel de; ALVIM, Thereza; ALVIM, Eduardo Arruda Alvim; MARINS, James. Código do Consumidor comentado. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT, 1995. p. 261.

[3] JUNQUEIRA, José de Mello. Alienação fiduciária de coisa imóvel. São Paulo: ARISP, 1998. p. 51.

[4] MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 9. ed. São Paulo: RT, 2019. p. 493.

[5] Importa destacar, também, a posição adotada por Oliveira Yoshikawa, da qual discordamos, no sentido de que a consolidação da propriedade no fiduciário, em caso de inadimplemento do fiduciante, por se desenvolver em mecanismo extrajudicial, tem natureza de autotulela, pois não apresenta o efetivo controle de um terceiro com imparcialidade que, no caso, seria o registrador imobiliário. Não concordamos com essa posição, pois, além de o fiduciante ter acesso ao Poder Judiciário a qualquer momento, o procedimento de alienação extrajudicial está exaustivamente previsto na Lei do SFI, do qual o fiduciário não poderá se desviar se quiser garantir uma perfeita e tranquila execução da garantia que contratou. Ademais, no Código de Processo Civil, em especial pela redação dada aos arts. 825, II e 879, I, é possível notar que o legislador pretendeu possibilitar ao credor, antes da venda em hasta pública (venda forçada), a alienação por iniciativa particular, o que demonstra conformidade de entendimentos do legislador entre os textos legais, pois a alienação extrajudicial que é feita nos termos da Lei do SFI é considerada uma alienação privada. OLIVEIRA YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de. Execução extrajudicial e devido processo legal. São Paulo: Atlas, 2010. p. 40.

Fonte: Migalhas