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AEDO – Um gesto de solidariedade intergeracional

Matheus Faria Carneiro

O Registro Civil e Tabelionato de Notas de Angra dos Reis recebeu com muita surpresa e alegria a notícia de que havia alcançado o maior número de doadores de órgãos do Brasil pela AEDO – Autorização Eletrônica De Doação De Órgãos, Tecidos E Partes Do Corpo Humano – discilplinada pelos arts. 444-A e 444-B do Provimento CNJ 149 de 30/9/23. Diante disso, o Tabelião Matheus Faria Carneiro foi agraciado pelo Colégio Notarial do Brasil e Conselho Nacional de Justiça com o certificado de “Tabelião em Prol da Vida.

O expressivo número de doadores, 485, contados de 01/9/24 a 31/9/24, pode representar a aurora de um novo tempo sobre o tema, já que os dados levam em consideração, tão somente, as manifestações feitas perante uma única serventia e por exíguo espaço de tempo (dois meses).

A doação de órgãos e outros tecidos humanos normada pela lei 9.434/97 e é pouco debatida nos meios acadêmicos e em outros foros públicos. Nada obstante, o Brasil, por meio do SUS destaca-se como maior programa público do gênero no mundo.

Nada obstante o país exercer este protagonismo, segundo estatísticas fornecidas pela CET – Central Estadual de Transplantes | SIG-SNT, ao fim de 2023, havia ainda 59.917 pessoas na fila de nacional de espera por órgãos. Portanto, muito trabalho ainda precisa ser feito para salvar vidas.

É certo que temas desta dimensão ainda são tratados como um tabu na sociedade. Uma espécie de interdito que potencialmente provocaria um castigo divino, uma “maldição”. O tabu expressa um sentimento coletivo que divide a comunidade entre “amigos” de um lado e “inimigos” de outro.

Por outro lado, o papel das serventias extrajudiciais é, exatamente, o oposto. Em um ambiente conflagrado como o do Brasil, em que a democracia revela sua degenerescência e os diferentes modos de ver e conviver se veem apartados pelo preconceito e ignorância sobre os temas mais importantes da sociedade, os cartórios têm a missão de promover a união e o de resgatar o tecido social já tão esgarçado.

É preciso abraçar a diversidade e construir consensos. Neste passo que a doação de órgãos mostra-se como a virtude maior de um homem. Senão, a maior, a derradeira. Aquela feita no silêncio da morte e no pranto do luto.

É o momento em que a família, soberana que é, tem a chance dar a vida a alguém que padece de uma condição incurável e cuja razão de ainda estar vivo é a esperança.

Aliás, vida e morte se encontram, diuturnamente, nos cartórios de todo o país. São neles que acontecem, ao mesmo tempo, os registros de nascimento e também os assentos de óbito.

São nas serventias extrajudiciais que no mesmo instante em que se enlaçam civilmente nubentes apaixonados, divorciam-se casais que não mais enxergam uma comunhão de vida em comum.

Os cartórios não são meras instâncias burocráticas, mas emanações difusas do poder estatal que acolhem, humanizam e intermedeiam a vida e os sonhos de todos os cidadãos brasileiros.

O Registro Civil e Tabelionato de Notas de Angra dos Reis, animado por este espírito plúrimo e solidário e contando com escreventes, os mais bem preparados tecnicamente e os mais humanos servidores da justiça dos homens que se conseguiu recrutar para esta tarefa, foi exitoso.

Na AEDO, a pessoa não só exprime sua decisão quanto à sorte dos seus órgãos e tecidos, tendo esta manifestação acolhida e registrada pelo Tabelião de Notas, mas também posterga pela eternidade, em imagem gravada, essa vontade mesma de ser doador.

A videoconferência de manifestação é alocada na blockchain que mantida pelo Colégio Notarial do Brasil, por meio da plataforma e-notariado.

Quão belo é esse gesto e quão redentor é para as famílias a decisão de doar ou não os órgão e tecidos quando, adredemente, o seu ente querido já assim o manifestou. A dura missão, em meio ao luto e ao sofrimento, de decidir a sorte dos órgãos e tecidos do ente falecido é amenizada pelo texto escrito e a mensagem registrada em som e imagem, para a posteridade, com a família.

Doar órgãos é, senão, uma das formas de se eternizar no tempo.

O Sistema de Justiça Extrajudicial, por meio da AEDO, é uma das formas de construção de uma sociedade livre, justa e solidária de que se revela como objetivo mesmo da própria existência da República Federativa do Brasil.

A genialidade da criação da plataforma é novidadeira no mundo e um feito legitimamente brasileiro. Posso dizer, com efeito, que a serventia em Angra dos Reis/RJ consegui esta marca, sobre ombro de gigantes, seguindo a senda da excelência deixada pelo legado do Corregedor Nacioal de Justiça ministro Salomão e que vem sendo tão bem continuado pelo ministro Mauro Campbell Marques que a sociedade brasileira já conhece desde a atividade judicante de eminência e distinção exercida no STJ.

Por fim, devo dizer que me sinto muito orgulhoso da equipe que dirijo e, deveras, realizado, por encontrar uma população tão ávida em fazer o bem, em diminuir a dor alheia e a da própria família, que de antemão, já poderá tomar uma decisão menos aflita neste momento de partida final.

Roguemos para que muitas vidas possam ser salvas, que as vaidades não passem de sentimentos menores e que este prêmio revele a capacidade que o diálogo, o entendimento e a boa instrução das pessoas tem em potência: divisar o bem e o mal, a vida e a morte.

Fonte: Migalhas